sexta-feira, 10 de outubro de 2008

CAPITALISMO EM CRISE - Luiz Gonzaga Belluzzo

Os antecedentes da tormenta
Ao examinarmos todo o período do pós-guerra, este por certo é o momento de maior fragilidade na administração da economia capitalista. Está claro que os efeitos deste novo capítulo da crise, deflagrado pelo estouro da bolha imobiliária, não desacelera apenas a economia norte-americana. O lubrificante da desregulação parece ter esgotado a capacidade de azeitar a engrenagem do sistema. A análise é de Luiz Gonzaga Belluzzo.


O crescimento da última década foi celebrado como a expressão de um triunfo inexcedível da experiência capitalista dos Estados Unidos sobre o resto do mundo. Avaliações peremptórias não hesitaram em apontá-la como superior não só à experiência socialista, como também a de outros tipos de capitalismo, como o japonês e os modelos europeus de sociedade e de economia. (1)

O crescimento desse período teve início na segunda metade de 92, foi lento até mais ou menos 1995/1996 e, paradoxalmente, começou a se acelerar após as crises mexicana, asiática e brasileira. Em boa medida a economia norte-americana se nutriu das crises na periferia do sistema para ganhar nervos e musculatura. O período que vai do final dos anos 70 até esse salto, marca uma lenta recuperação do poderio econômico, militar e financeiro dos Estados Unidos. Ele se fez não só com a derrota política e econômica da URSS, mas também com a imposição do padrão capitalista norte-americano e, sobretudo, do capital financeiro do país às demais nações.

Desde os anos 70, os Estados Unidos já vinham abandonando certas referências que marcaram seu crescimento no pós-guerra, bem como desmontando regras prudenciais de gestão financeira adotadas a partir dos anos 30 e consolidadas durante o esforço bélico. Tais características haviam contribuído significativamente para a recuperação da Europa no pós-guerra, além de abrirem espaços para a industrialização de países do Terceiro Mundo. A existência de um bloco socialista competindo com o capitalismo foi igualmente decisiva na ampliação das oportunidades de desenvolvimento no planeta.

O modelo pós-II Guerra

É importante lembrar que a direção política do capitalismo estadunidense nesse período era bem mais heterogênea do que a atual. Havia, por exemplo, dentro do governo Roosevelt, uma fração muito importante do Partido Democrata que preconizava um futuro salvaguardado pela aliança entre os Estados Unidos e a União Soviética. O inimigo verdadeiro, desse ponto de vista, seria o velho imperialismo europeu, o que explica, em parte, as dificuldades do representante inglês em Bretton Woods, John Mayanard Keynes, para viabilizar suas propostas de reforma do sistema monetário internacional.

Ao contrário do que ocorreu no final da I Guerra Mundial, porém, e que levou à crise do capitalismo desregulado de então, cujo ápice foi a Depressão de 29 e dos anos 30 - em 1944 os EUA tomaram a decisão política de não repetir os erros do passado. O Plano Marshall e o impulso dado à reconstrução européia para a unificação econômica, foram decisivos para as economias alemã e a francesa se rearticularem. Da mesma forma, o financiamento norte-americano foi o divisor que permitiu a reconstrução econômica japonesa.

A impressão dominante naquele momento era a de que o capitalismo estava diante de um sólido e prolongado ciclo de expansão à salvo das flutuações cíclicas violentas inerentes à sua dinâmica de crescimento. Novas formas de regulação e controle do sistema haviam sido introduzidas sob o impulso de forças sociais que emergiram ao final da Guerra, entre elas os partidos comunistas, que tiveram papel relevante na definição das estratégias de reconstrução do capitalismo europeu. Entre as principais características dessa nova institucionalidade estava a admissão de que o Estado, obrigatoriamente, deveria promover a regulação do ciclo econômico.

Os Estados nacionais passaram então a se apropriar e a dispender uma fatia do produto nacional muito superior àquela observada nos anos 20. O maior controle público sobre o excedente evitaria que as flutuações do ciclo econômico redundassem em ajustes baseados na contração quase automática da renda e do emprego como ocorrera até 1929. A segunda característica associada às coligações sociais e políticas que emergiram nesse período foi o crescimento do salário real e dos benefícios sociais, paralelamente ao aumento da produtividade do trabalho. (2) Um terceiro pilar fundamental de sustentação dessa arquitetura foi a instituição do controle dos movimentos de capitais entre os países, sobretudo dos capitais de curto prazo.

Vale lembrar que a reforma que Keynes e Dexter White tentaram aprovar em Breton Woods envolvia, grosso modo, as seguintes balizas: o dinheiro internacional seria simplesmente uma moeda de conta, permitindo que os países trocassem mercadoria por mercadoria. O dinheiro funcionaria assim apenas como referência de cálculo. Os países que tivessem déficit registrariam num banco internacional, em sua conta, a dívida com os demais. A compensação entre os déficits e superávits tornaria desnecessário saldar dívidas através de movimentos de capitais de curto prazo. Keynes, a partir da experiência nefasta dos anos 20, estava convencido de que não era prudente delegar aos mercados a regulação do fluxo monetário internacional. Tampouco eles deveriam assumir a responsabilidade pelo fornecimento de liquidez aos países que porventura registrassem déficit na balança de pagamentos.

Como se sabe, esse sistema não foi aceito em sua totalidade nem pelos Estados Unidos, nem pela Inglaterra. Mesmo assim o acordo de Bretton Woods permitiu que os países controlassem suas contas de capital, proporcionando-lhes maior autonomia na fixação das políticas monetária e fiscal. A prerrogativa de proibir a entrada e a saída de capitais manteve-se até meados da década de 80, inclusive no Brasil, garantindo certo grau de proteção à política econômica contra ondas de volatilidade e movimento especulativo no plano internacional. Ao contrário do que ocorre hoje, caso houvesse uma crise na Bolsa de Nova York, os governos não tinham que elevar a taxa de juro– dispunham de instrumentos para impedir que os efeitos da turbulência fossem integralmente internalizados.

O que se verifica neste dias é exatamente o oposto. Capitais se movem livremente pelo planeta apostando na desvalorização das moedas; promovendo chantagem explícita contra políticas de juro baixo; ou ainda tomando posição nos mercados à vista, ou de contratos futuros, contra economias supostamente dotadas de moedas frágeis. Se esses mercados funcionam livremente, a especulação é inevitável - por definição, eles são mercados especulativos. (3) Falar em controle de capitais tornou-se um anátema a partir dos anos 70– pelo menos foi assim até a emergência da nova crise acionada pelo estouro da bolha imobiliária nos EUA. Na verdade, os grandes protagonistas do processo econômico, a grande empresa internacional e os grandes bancos, frequentemente ganham mais dinheiro no mercado financeiro do que na produção de mercadorias.

Quando uma empresa está localizada em vários mercados, como ocorre hoje, poderá ter um ganho fenomenal se estiver bem posicionada diante de uma alteração cambial –o que não é difícil considerando-se que têm acesso a boas informações e relações estreitas com grandes bancos. Em caso de aposta equivocada, todavia, as perdas, como estamos vendo, podem assumir contornos sistêmicos imprevisíveis.

Para os reformadores de Bretton Woods a estabilidade do câmbio e dos juros era fundamental para a tomada de decisão na esfera produtiva do capitalismo. Uma decisão de longo prazo, como é o caso de um grande investimento, requer um horizonte razoável de segurança e para isso duas taxas devem oferecer certo grau de previsibilidade: a taxa de juros e a taxa de câmbio. Esses são dois preços-chave da economia que informam fundamentalmente a decisão capitalista: a taxa de juros indica qual é a conveniência do detentor da riqueza mantê-la sob a forma de capital monetário ou investi-la sob a forma produtiva, ou qualquer outra forma. Para isso a estabilidade da taxa de juro em um patamar moderado é fundamental. (4) No caso da taxa de câmbio, o que se espera é que ela amplie o horizonte de paridade entre o dinheiro particular – as moedas nacionais – e a moeda de referência mundial. Se esses preços flutuam erraticamente, a decisão do capitalista torna-se totalmente desordenada.

A lógica do controle dos capitais que prevaleceu nos anos 50/60, permitiu que as economias pudessem crescer de maneira mais ou menos equilibrada gerando, não por acaso, aquilo que se convencionou chamar de milagre alemão, milagre japonês, milagre italiano...Tudo ancorado na arquitetura de um capitalismo domesticado, quer dizer, do capitalismo controlado politicamente pela intervenção do Estado em cada país. Essa institucionalidade impediu que fossem reproduzidas as crises dos anos 20, e mesmo as crises do final do século XIX em boa parte do século XX.

Fim de um modelo

A partir do final dos anos 60, essa arquitetura começa a ruir por conta do agravamento de um defeito de origem fundamental na sua engrenagem: a moeda internacional utilizada nesse arranjo era a moeda de um país, o dólar norte-americano. Políticos e técnicos que participaram dos debates de Bretton Woods já haviam identificado os limites dessa ambigüidade.

Somente enquanto essa moeda fosse emitida de maneira moderada, haveria possibilidade de ser aceita pelas demais nações como referência internacional. Embora o fetiche da moeda seja conhecido, a verdade é que ela não tem vida própria, mas reflete um fenômeno social. Sua legitimidade como meio de troca e reserva de valor só subsiste na medida em que figurar aos olhos da sociedade como representação efetiva da riqueza existente.(5)

A partir de meados dos anos 60 esse predicado começou a desbotar nas notas de dólar. A moeda norte-americana passou a se enfraquecer em conseqüência do papel exercido pelo país como polícia do mundo ocidental, o que obrigava o Tesouro a um dispêndio de moeda muito superior ao que seus parceiros estavam dispostos a aceitar.

Apesar da prosperidade geral – e aqui é importante lembrar que 1968 foi um ano de grande prosperidade e esta durou até 1973 – os europeus começaram a contestar a universalidade do dólar, ou o seu papel como representante da riqueza universal. Os primeiros a contestar foram os franceses. No seu entender, o volume de dólares injetado nos mercados pelos EUA excederia o total demandado para as trocas internacionais e os negócios financeiros, conforme havia sido acordado em Bretton Woods. O presidente De Gaulle inicia então a trocar dos dólares excedentes pelo ouro de Fort Knox. Em resposta, em 1971, Nixon, então presidente dos Estados Unidos, declara unilateralmente a inconversibilidade e o fim do padrão concertado em Bretton Woods.

Entre 1968 e 1971, na crise do dólar, começa a se formar o chamado Euro Mercado, cuja característica notável era a expansão de negócios financeiros fora dos controles prudenciais das autoridades monetárias. Sua emergência reflete o excesso de gastos e o déficit da balança de pagamentos norte-americanos. Quando o Banco da Alemanha, um banco central clássico e ortodoxo, acumulava excedentes em sua balança de pagamentos, deslocava o excesso de dólares e o redepositava no Euro Mercado. Essa foi uma das razões do chamado milagre econômico brasileiro, em pleno regime ditatorial.

A farta liquidez externa incentivou o Brasil a se endividar maciçamente em dólar no Euro Mercado, cujas taxas de juros eram convidativas – da ordem de 6% ao ano. Na época, entretanto, esse mercado era relativamente pequeno; só alguns países em desenvolvimento tinham acesso a ele.

Quando os norte-americanos declararam a inconversibilidade, em 1971, e permitiram a flutuação cambial em 1973 (até então, as taxas de câmbio eram fixas e administradas pelo FMI, sendo preciso sua licença para a desvalorização de uma moeda), desencadeou-se a flutuação geral das paridades. Esse foi um dos fatores que deflagrou o aumento do preço do petróleo, fixado em dólares.

Durante toda a década de 70 houve grande controvérsia sobre a substituição do dólar como moeda de reserva, sendo feitas várias tentativas nesse sentido. Os Estados Unidos saíram da guerra do Vietnã derrotados política e militarmente. Foi um período em que se anunciava urbi et orbi o fim da hegemonia norte-americana, o esgotamento de seu poder e a possível substituição da supremacia dos EUA pela da Alemanha. Em 1979, no entanto, na reunião do FMI realizada em Belgrado, os Estados Unidos reafirmaram a hegemonia do dólar posta em xeque pelos interesses europeus.

Primeiro, o governo norte-americano elevou brutalmente as taxas de juros, promovendo a valorização do dólar a ponto de explodir o déficit fiscal do país. Em seguida, Reagan promoveu uma redução de impostos que favoreceu os ricos e a classe média mais alta. Depois, em 1981/1982, iniciou-se a reversão do ciclo de alta dos juros. O declínio das taxas deflagrou um vigoroso ciclo de consumo e de importações na economia norte-americana. Japão, Coréia e Taiwan foram os grandes provedores desse mercado até 1985. O Japão conseguia superávits monumentais à custa dos déficits dos EUA. O que permitia uma dieta pantagruélica ao consumo norte-americano, sem qualquer problema adicional de balança de pagamento, era o fato de deter o controle da moeda de reserva, ou seja, deter a prerrogativa de pagar seu déficit em dólar, e o mundo, de novo, aceitar.

A diferença em relação ao cenário dos anos 70 é que os Estados Unidos passaram a financiar o seu déficit emitindo papéis do Tesouro, como uma espécie de colchão de liquidez. Quando ocorreu a crise da dívida externa na América Latina, devido ao aumento na taxa de juros, o déficit fiscal norte-americano permitiu que os bancos limpassem de seus balanços os créditos podres latino-americanos. Ou seja, a exemplo do que se faz hoje em escala turbinada por um grau de incerteza e de imprudência inéditos, trocaram-se ativos podres por títulos com liquidez de mercado assegurada – e naquele momento a taxas de juros mais convidativas que as atuais. Foi assim que o déficit do Tesouro salvou os bancos norte-americanos enquanto os mais precipitados anteviam a quebra da maior economia do mundo. Como se sabe, tal não ocorreu. Os bancos privados carregaram papéis da dívida norte-americana em suas carteiras, utilizando-os como um mecanismo de transição para o ajuste do sistema financeiro privado. Se o governo dos EUA não tivesse feito um déficit (do tamanho daquele feito por Reagan) e se não tivesse emitido dívida pública, os bancos norte-americanos teriam quebrado.

Os Estados Unidos salvaram seu sistema bancário, ao mesmo tempo em que se transformaram – de credores globais desde o final da I Guerra Mundial – em devedores globais (a dívida pública norte-americana, que em 2001 era de três trilhões de dólares, deve saltar nesta crise de 2008 para algo como dez trilhões de dólares). Os anos 80 foram marcados por essa mudança de posição, em que parecia que os bancos japoneses, por exemplo, iriam superar – e superaram em volume de depósitos internacionais – os bancos norte-americanos.

Durou pouco essa impressão. Em 1985, quando a coisa estava indo longe demais, os Estados Unidos fizeram as famosas reuniões do Louvre e depois do Plaza, que deram origem ao G7. Nessa rodada de peixes grandes os EUA comunicaram que a valorização do dólar fora longe demais. O déficit do país estava exagerado e a indústria norte-americana não suportaria mais a carga da perda de competitividade internacional.

Arremataram anunciando que chegara a hora de seus parceiros assumirem o ônus de reverter esse quadro unilateralmente. Curto e grosso, obrigaram o ien e o marco a se revalorizarem em relação ao dólar, sem que os EUA tivessem que elevar suas taxas de juros para isso.

Foi o início da longa crise japonesa. O Japão foi obrigado a cortar custos, a reduzir lucros e salários de suas empresas. Com o ien excessivamente valorizado, e as moedas dos vizinhos asiáticos ainda desvalorizadas face ao dólar, os investimentos japoneses se deslocaram para o Sudeste Asiático. Isso explica o aparecimento da segunda geração de Tigres Asiáticos – Cingapura, Malásia, Tailândia, resultado da expansão regional do capitalismo japonês .

A partir dessas plataformas as empresas japonesas retomaram a capacidade de exportar para os Estados Unidos. O Japão criou laços profundos com o Sudeste Asiático, mas acabou nocauteado no começo dos anos 90. Os parceiros asiáticos continuaram a crescer até a nova crise de 1997 (recuperarando-se depois, mas de maneira frágil).

Os EUA no centro da crise

Apesar de ter crescido a partir de 1995/1996, a taxa média de expansão da economia norte-americana na década de 90 foi inferior ao desempenho médio verificado entre os anos 50/60. O mesmo ocorreu com a maioria dos demais países: na era dos mercados financeiros desregulados as taxas de crescimento foram muito inferiores às do período anterior, o do capitalismo domesticado, por qualquer critério de comparação (taxa de crescimento, expansão do emprego, crescimento dos salários reais...).

No período Reagan, com a valorização do câmbio, o investimento cresceu muito pouco; sendo basicamente um ciclo de expansão apoiado em consumo. No período mais recente, assistimos a um ciclo de investimento e de consumo com brutal concentração de capital – não só na área produtiva, mas também na área financeira. A contrapartida desse processo, fortemente impulsionado pelo crédito, foi um elevado grau de endividamento do setor privado (famílias e empresas), que alcançou o nível mais alto do pós-guerra.

A valorização crescente do mercado de ações pode servir como fita métrica desse endividamento. Ela exprime a riqueza fiduciária que as famílias e as empresas pensam ter. Na medida em que as ações se valorizaram, famílias e empresas adquirem mais papéis e ações; imaginando que sua riqueza patrimonial se elevou, elas se endividam ainda mais– com as ações servindo como garantia (mais recentemente o mecanismo se transferiu para a valorização do mercado imobiliário). Bancos livres das regras prudenciais acumulam ativos de empréstimos a famílias ancoradas em uma base patrimonial anabolizada especulativamente.

Quando ocorre a correção de preços e o valor das ações cai, quem tem dívida em dólares vê seu patrimônio murchar drasticamente – diz-se desinflou o patrimônio. A poupança das famílias norte-americanas hoje é igual a zero (não poupam nada da sua renda); seu patrimônio líquido perde valor; os ativos que eles possuem estão se desvalorizando e o passivo fixado em dólares cresce e engorda.

Essa, na verdade, é a raiz da crise norte-americana presente desde 2001. Na medida em que as empresas vêem que a relação dívida/patrimônio aumentou muito, elas cortam investimento, e as famílias, seu consumo. Na ponta dessa convergência salta o desemprego, que tende a se agravar com a contração do crédito e da renda. Na medida em que o desemprego aumenta a tendência é um novo degrau de corte de gastos, o que leva a um nova rodada de demissões...

Uma das razões pelas quais os Estados Unidos conseguiram sustentar o padrão de crescimento, via endividamento, foi a capacidade de atrair capitais excedentes de todo o planeta – o Brasil hoje é o quarto maior investidor em títulos do Tesouro norte-americano, sendo a China o primeiro. Ninguém sabe até quando esse processo vai se sustentar. Até agora, a Bolsa cai, as taxas de juros declinam e a economia se desacelera, sem que haja uma fuga expressiva de capitais –ao contrário registra-se até um movimento inverso, uma busca de proteção, com investidores adquirindo papéis do Tesouro a uma taxa de remuneração inferior à inflação.

Qual é o limite dessa engrenagem? Ao examinarmos todo o período do pós-guerra, este por certo é o momento de maior fragilidade na administração da economia capitalista. Está claro que os efeitos deste novo capítulo da crise, deflagrado pelo estouro da bolha imobiliária, não desacelera apenas a economia norte-americana . Será preciso acompanhar a extensão e a profundidade dessa desaceleração sobre o mercado global para uma avaliação mais exata dos seus desdobramentos históricos para a economia capitalista. O certo, porém, é que o lubrificante da desregulação parece ter esgotado a capacidade de azeitar a engrenagem do sistema.

* Luiz Gonzaga Belluzzo é Professor-titular do Instituto de Economia da Unicamp

Notas

(1) Nos anos 80 estava em voga se falar da excelência do capitalismo japonês, sua diferença e maior dinamismo. Mas essa ilusão com a possibilidade de a hegemonia norte-americana ser substituída por um outro país capitalista foi dissipada já em meados dos anos 80 – exatamente em 1985 –, quando os Estados Unidos forçaram a desvalorização do dólar e obrigaram o Japão a revalorizar o ien; portanto, a encarecer as suas exportações. Obrigaram-no também a abrir financeiramente sua economia. Com isso, impuseram ao Japão o começo de sua maior crise econômica do pós-guerra, e que não conseguiu superar até hoje. A economia japonesa praticamente não cresceu ao longo da década de 90, viveu uma recessão permanente, com pequenas recuperações, mas, nos dez anos que a economia norte-americana cresceu acima da média, ou acima de sua média histórica, o Japão cresceu significativamente abaixo de sua média histórica.

(2) Comparando-se o aumento de produtividade do imediato pós-guerra com o aumento de produtividade do trabalho de agora, mesmo nos Estados Unidos, vê-se que a média foi maior no imediato pós-guerra – coisa que a imprensa não diz!

(3) Especulativos não no sentido popular da palavra. São especulativos porque fazem aposta a partir de uma conjetura sobre o que vai acontecer com o valor de uma denominada moeda, o que vai acontecer com a taxa de juros.

(4) Não é por acaso que, em O Capital, Marx fecha o modelo com o capital a juros. Muitos leitores pensam que ele deixou o capital a juros para o fim porque era menos importante. Mas não é. Porque o capital a juros é a forma acabada – a forma mais aperfeiçoada, como ele diz – do capital, em que este se reproduz a si mesmo. E porque o capital a juros determina as condições de concorrência no mercado capitalista – que sinaliza quais são os capitais que vão sobreviver e quais vão soçobrar.

(5) Vemos na hiperinflação o que acontece: todo mundo foge da moeda, porque não há mais a confiança de que ela possa representar o padrão de medida de troca e de reserva de toda a riqueza existente. Portanto, é um fenômeno quase que convencional, uma convenção consolidada no espírito das pessoas. Não tem nada a ver com a materialidade ou a forma que assume.

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

É hora de o Banco Central agir

Artigo - Luiz Carlos Mendonça de Barros
Folha de S. Paulo - 3/10/2008

É preciso agir já, pois os novos problemas que aparecerão darão à crise atual contornos bem mais dramáticos

A CRISE financeira que tomou conta do mundo continua a piorar, quase sem controle. É incrível a contaminação em praticamente todos os segmentos -mesmo os de menor risco- do mercado financeiro mundial. O pânico está fazendo com que o fluxo normal de recursos que circula entre instituições financeiras, empresas e investidores deixe de ocorrer. Vivemos com intensidade o que Keynes chamou de armadilha da liquidez em seus memoráveis textos econômicos. Esse verdadeiro calcanhar-de-aquiles do sistema capitalista foi o centro da crise econômica iniciada em 1929 e levou o mundo ao nazismo e à Segunda Guerra Mundial.

Mais de 70 anos depois da terrível revelação feita por Keynes, o mundo vive a mesma armadilha. O dinheiro em circulação deixa de seguir a racionalidade que muitos acreditam ser inerente às economias de mercado. Felizmente, o conhecimento dessa falha tectônica do sistema hoje é maior do que no passado, e os BCs sabem como agir para enfrentar essa situação. Mas a lentidão com que muitos dirigentes reagem a esse acontecimento tão raro está nitidamente presente e pesa na solução do problema. A melhor expressão que conheço para caracterizar esse estado de inércia catatônico é a expressão inglesa "too little too late".

Agora mesmo, quando escrevo esta coluna, temos um belo exemplo desse comportamento. O BCE manteve inalterada a taxa de juros no espaço econômico europeu, apesar de uma dinâmica inflacionária totalmente nova. Seu presidente deu poucos e tímidos sinais de estar pronto para uma mudança na condução da política monetária. Mas os sinais recessivos emitidos pelas economias européias são tão claros que o mercado passou por cima do francês travestido de falcão alemão e opera como se a redução dos juros já tivesse ocorrido.

No Brasil, temo que essa mesma reação catatônica diante de um mundo que mergulha em uma terrível crise tenha tomado conta do Banco Central. Talvez influenciado pelas palavras recentes do presidente Lula -"esse é um problema do Bush, não meu"-, mostra indiferença para com a crise de liquidez que tomou conta da economia. Venho alertando sobre isso nas últimas três semanas e volto a fazê-lo hoje.

Está passando da hora de reagir, e as conseqüências dessa inação já estão presentes na nossa economia. Qualquer observador minimamente ligado aos acontecimentos recentes no mundo sabe que a crise chegou entre nós de maneira muito forte.

Por enquanto, os instrumentos que o BC tem à sua disposição são suficientes para gerir esse choque de liquidez. Não é preciso nenhum pacote nem posições heróicas das instituições federais de crédito. Bastam apenas algumas ações temporárias para permitir que o setor privado e os consumidores ajustem suas posições para uma nova realidade. As mais importantes são a redução do compulsório bancário, a criação de linhas de curto prazo para financiar os exportadores brasileiros com os dólares da reserva (sem vendê-los para tentar influenciar a taxa de câmbio, por ora). Além disso, a elevação da inflação neste período de crise, na medida em que derive puramente da desvalorização do real, deve ser acomodada na banda do sistema de metas. Isso significa considerar seriamente a interrupção do ciclo de alta de juros, pois a economia já mostra sinais claros de desaceleração.

Mas isso precisa ser feito já, pois, do contrário, os novos problemas que vão certamente aparecer darão à crise atual contornos bem mais dramáticos.

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS, 65, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso).

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

O papel do Estado diante do caos econômico - artigo de Carlos Lopes, Hora do Povo, 1.10.2008

Ditadura especulativa entra em agonia com a crise americana

Em vez de torrar dinheiro público com os especuladores, só o Estado para instituir uma via democrática no caos.

Depois de uma semana de entusiasmo frenético pelo “Pacote Bush” - US$ 700 bilhões em dinheiro público para ajudar picaretas, aventureiros, negocistas e monopolistas financeiros de Wall Street – alguns elementos aqui em nosso país parecem às portas do desespero com sua derrubada, pelos próprios republicanos, na Câmara de Representantes dos EUA.

Naturalmente, eles não conseguem ver a nossa economia senão como um anexo da economia norte-americana – e a economia norte-americana senão como um quintal dos mesmos especuladores de sempre.
O fato de que as crises dos países centrais são um momento em que é possível o desenvolvimento maior das economias dos países periféricos – exatamente porque está enfraquecida a capacidade do centro exercer sua dominação – lhes parece uma anomalia.
No entanto, nada há de estranho nisso – é, aliás, perfeitamente lógico. Foi sempre o que aconteceu no Brasil, desde a crise de 1929 e a Revolução de 30 até a crise dos anos 70 e o II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND), muito justamente lembrado, há alguns meses, pelo presidente Lula.
O estranho, irracional e anômalo é achar que no momento em que as relações de dependência estão debilitadas, nós devemos nos submeter mais a elas e levar a nossa economia para o mesmo brejo onde afunda a dos EUA. Para o Brasil, um grande país de imensos recursos, a alternativa de acelerar o crescimento nacional em um momento como este é, aliás, relativamente fácil. Muito difícil – e, em verdade, catastrófico – seria não fazê-lo, ao contrário do que sempre fizemos.
COISA
Quanto aos EUA, a melhor definição para o que houve segunda-feira na Câmara de Representantes (v. matéria na página 8), foi a do republicano Scott Garrett, deputado por Nova Jérsei, que votou contra o pacote: “Suponho que os democratas viram os mesmos problemas que nós vimos: eles não queriam voltar para casa e explicar essa coisa”.
Em síntese, a esfarrapada demagogia de que os US$ 700 bilhões eram para salvar as velhinhas, os aposentados, os pequenos empresários, os operários, a classe média, etc., esbarrou na oposição das velhinhas, dos aposentados, dos pequenos empresários, dos operários, da classe média, etc.
O povo norte-americano foi brutalmente expropriado durante os últimos anos e, em especial, desde a eclosão dessa crise. É, no momento, um povo endividado e com a poupança da vida inteira, a começar por sua casa, sendo tomada pelos bancos e financeiras. Por isso mesmo, os norte-americanos percebem que nenhum benefício haverá para si em dar US$ 700 bilhões para quem os expropriou.
O próprio nome com que foi batizado o pacote - pela mídia favorável a ele - mostrava o seu caráter: “bailout plan”. A palavra “bailout” significa saltar de pára-quedas de um avião que está caindo ou vai explodir. Em suma, os US$ 700 bilhões em dinheiro público era um pára-quedas destinado aos que engendraram a crise: que esses escapassem com o dinheiro e que o avião - a economia – caísse e explodisse com o povo norte-americano a bordo. Por isso, o plano ficou logo conhecido como “Wall Street bailout”.
Os republicanos tinham, em geral, pouca coisa contra isso, exceto pela circunstância de que haverá eleições daqui a um mês e pouco – e os sem pára-quedas, isto é, os eleitores, veriam seu dinheiro ser dado pelos deputados para que os espertalhões saltassem fora do fatídico avião. Não seriam os republicanos, para os quais reeleger-se já não é fácil, que iriam colocar o pescoço na guilhotina, aprovando “essa coisa” poucos dias antes das eleições.
Por isso, foram os correligionários de Bush que derrubaram seu “bailout”, a começar por McCain, que somente declarou-se a favor depois de rejeitado, para acusar Obama pela derrota - segundo sua teoria, o candidato democrata tinha a obrigação de conseguir votos suficientes para que o plano fosse aprovado sem os votos dos republicanos... Assim, os democratas teriam a nobre missão de cavar seu próprio túmulo para salvar os especuladores e os republicanos que os cevaram.
Evidentemente, cabe a Bush e aos republicanos a culpa pelo crime. Como disse a presidente da Câmara, Nancy Pelosi, “por demasiado tempo, oito anos, esse governo tem seguido uma ideologia de direita segundo a qual vale tudo, sem nenhuma supervisão, sem nenhuma disciplina, sem nenhuma regulamentação. Nenhum emprego foi criado, nenhum capital; foi criado o caos”.
Deixar as coisas como estão – ou piorá-las, com bilhões de dólares para os mesmos vândalos econômicos - é permitir que o caos destrua o que há de melhor nos EUA: seu povo, seus trabalhadores, seus verdadeiros empreendedores. O que se pode esperar de uma economia entregue à ganância, sem regras ou limites, de monopólios financeiros, com o seu rastro de aventureiros menores? Que levem a economia para o brejo e instalem uma ditadura aberta – afinal, o que é o governo Bush senão uma ditadura aberta, inclusive com a Constituição e suas garantias suspensas pelos atos impatrióticos?
O que há de promissor nos EUA é a agonia desse estado de coisas. A questão, nesse momento de crise, se reduz à expressão mais simples: ou o Estado, como representante dos interesses coletivos, dos interesses da sociedade, intervém para controlar os bancos e financeiras que implodiram pela ganância de seus proprietários, estabelecendo limites, regras e regulamentações para os antros especulativos, e responsabilizando os infratores da lei, ou será impossível conjurar o caos. Trata-se de instituir uma ordem democrática sobre o caos – a vontade do povo sobre a vontade de uma oligarquia falida. E somente usando o Estado como instrumento, tal como na era Roosevelt, isso é possível.
FACHADAS
Perante isto, é quase divertido – não fosse, diante do custo humano, a insensibilidade de tais palhaçadas – ver certos indivíduos, nos EUA e aqui, referirem-se ao bailout de Bush como “socialismo” e “estatização”, como se dar dinheiro do Estado a especuladores, a magnatas falidos, a vigaristas que encheram seus cofres fabricando papéis num fictício valor 40 ou mais vezes superior ao seu patrimônio, fosse socialismo ou estatização.
Pelo contrário, o “Wall Street bailout” é apenas a continuação da política a que se referiu a deputada Nancy Pelosi: a da pilhagem de milhões de norte-americanos e de bilhões dos habitantes da Terra por algumas quadrilhas financeiras, que - fachadas, testas-de-ferro e laranjas à parte - não chegam hoje a meia dúzia.
CARLOS LOPES

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Defesa do Estado – Prevenção e combate à lavagem de dinheiro/ilícitos e crimes contra o sistema financeiro nacional e a economia popular

Hoje estamos fazendo um aperfeiçoamento quanto à ordem dos arquivos de textos-base da revista Por Sinal, já inseridos anteriormente. Todos eles foram renomeados começando com a sigla “PLD”, seguidos de quatro algarismos (os dois primeiros referentes ao ano e os dois últimos referentes ao mês de publicação) e finalizando com o próprio nome dos textos.

A partir de 29 próximo, novos textos serão colocados para discussão conforme a seguir.

Textos de referência:

PLD_Metas_Enccla_2007 e PLD_Metas_Enccla_2008, reproduz as metas para os respectivos anos da Enccla – Estratégia Nacional de Combate ao Crime de Lavagem de Dinheiro - indicando também os órgãos responsáveis;

PLD_Normas_CMN_BCB e PLD_Normas_outros_órgãos, reproduz, com razoável atualização, os normativos pertinentes ao tópico;

PLD_Glossário_termos_e_siglas;

PLD_Implicações_da_Lei_9613, é um resumo sobre o impacto da edição da lei, segundo dois autores de livros a respeito;

PLD_Paralelo_entre_a_regulação_e_supervisão_dos_USA_e_do_Brasil, é um paper elaborado pela Dipec – Diretoria de Política Econômica.

Monografias:

PLD_no_Sistema_Bancário_Brasileiro_5_anos_após_a_Lei_9613, de autoria do servidor João Tiago Hijjar, 2004;

PLD_Panorama_atual_da_legislação_de_PLD_e_do_financiamento_do_terrorismo_frente_às_novas_recomendações_do_FATFGAFI, de autoria do servidor Antônio Juan_Ferreiro_Cunha, 2006;

PLD_Sonegação_fiscal_e_lavagem_de_dinheiro, de autoria do servidor Clovis José Roncato, 2006;

PLD_Avaliação_dos_sistemas_de_controles_internos_implantados_pelas_IFs_no_contexto_da_PLD, de autoria da servidora Patrícia Maria Bahia Bhering Prates, 2006.

Documentos oficiais:

PLD_Relatório_de_Auditoria_TCU_no_Sistema_de_Combate_e_PLD, de 2008, sendo que a parte referente ao Banco Central está em vermelho;

PLD_Comunicações_Recebidas_Segmento, COAF;

PLD_Comunicações_Recebidas_UF, COAF.

Documentos livres:

PLD_O_crime_de_LD_no_Brasil_e_em_diversos_países, de 2005, de autoria de uma Procuradora da Fazenda Nacional;

PLD_Atividades_Econômicas_e_LD, Internet, autor desconhecido.
Segue abaixo, os arquivos:

PLD Atividades Econômicas e LD.doc
PLD Avaliação dos sistemas de controles internos implantados pelas IFs no contexto da PLD.pdf.
PLD Comunicações Recebidas Segmento.doc
PLD Comunicações Recebidas UF.doc
PLD Glossário termos e siglas.doc
PLD Implicações da Lei 9613.pdf
PLD Metas Enccla 2007.doc
PLD Metas Enccla 2008.doc
PLD Normas CMN BCB.doc
PLD Normas outros órgãos.doc
PLD O crime de LD no Brasil e em diversos países.doc
PLD Paralelo entre a regulação e supervisão dos USA e do Brasil.doc
PLD Relatório de Auditoria TCU no Sistema de Combate e PLD.doc
PLD Sonegação fiscal e lavagem de dinheiro.pdf
PLD0107 A moeda que não pode mostrar a cara.pdf
PLD0110 O Brasil é um dos maiores paraísos fiscais do mundo.pdf
PLD0204 BC o braço técnico para investigar a lavagem de dinheiro.pdf
PLD0301 A vontade política do funcionalismo do BC.pdf
PLD0304 Pouca munição para o combate à lavagem de dinheiro.pdf
PLD0308 Lavanderia Brasil SA a indústria que mais cresce no País.pdf
PLD0308 O jeitinho brasileiro de burlar a lei.pdf
PLD0511 Conselhinho um rombo na peneira.pdf
PLD0511 Corrupção problema nosso.pdf
PLD0511 Nova arma contra o crime.pdf
PLD0511 O banco que lava mais branco.pdf
PLD0511 O guardião da saúde financeira dos bancos.pdf
PLD0511 O melhor inseticida contra acorrupção é a informação.pdf
PLD0511 O MP e o combate à corrupção.pdf
PLD0511 Servidores do BC missão cumprida.pdf
PLD0511 Sociedade perde mais um round na luta contra a corrupção.pdf
PLD0606 Entrevista Paulo Cavalheiro.pdf
PLD0606 Sinal discute no Congresso combate à corrupção.pdf
PLD0609 O combate à corrupção.pdf
PLD0609 União contra o crime.pdf
PLD0612 A palavra do BC.pdf
PLD0805 A utilização do sistema Bacen Jud no processo judicial.pdf
PLD0805 Entrevista Alvir Hoffmann.pdf
PLD_Panorama atual da legislação de PLD e do financiamento do terrorismo frente às novas recomendações do FATFGAFI.pdf

Discurso do Presidente Lula na ONU (trechos)

Esta Assembléia realiza-se em um momento particularmente grave. A crise financeira, cujos presságios vinham se avolumando, é hoje uma dura realidade. A euforia dos especuladores transformou-se em angústia dos povos após a sucessão de naufrágios financeiros que ameaçam a economia mundial.

As indispensáveis intervenções do Estado, contrariando os fundamentalistas do mercado, mostram que é chegada a hora da política. Somente a ação determinada dos governantes, em especial naqueles países que estão no centro da crise, será capaz de combater a desordem que se instalou nas finanças internacionais, com efeitos perversos na vida cotidiana de milhões de pessoas.

A ausência de regras favorece os aventureiros e oportunistas, em prejuízo das verdadeiras empresas e dos trabalhadores. É inadmissível, dizia o grande economista brasileiro Celso Furtado, que os lucros dos especuladores sejam sempre privatizados e suas perdas, invariavelmente socializadas. O ônus da cobiça desenfreada de alguns não pode recair impunemente sobre os ombros de todos. A economia é séria demais para ficar nas mãos dos especuladores.

A ética deve valer também na economia. Uma crise de tais proporções não será superada com medidas paliativas. São necessários mecanismos de prevenção e controle, e total transparência das atividades financeiras.

Os organismos econômicos supranacionais carecem de autoridade e de instrumentos práticos para coibir a anarquia especulativa. Devemos reconstruí-los em bases completamente novas.

Dado o caráter global da crise, as soluções que venham a ser adotadas deverão ser também globais, tomadas em espaços multilaterais legítimos e confiáveis, sem imposições.

Das Nações Unidas, máximo cenário multilateral, deve partir a convocação para uma resposta vigorosa às ameaças que pesam sobre nós.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Economia

Textos de apoio:

Nilson Araujo - A natureza da crise estadunidense [1].doc

Nilson Araujo - Inflação e crescimento [1].doc

John Pendler -
O capitalismo em convulsão.doc

Luiz Nassif -
Como esconder os números.doc

Trabalho – Grupo 2

1.Temas

a) Questões econômicas e defesa do Estado
b) Defesa do Estado - Prevenção e combate à lavagem de dinheiro / ilícitos e crimes contra o sistema financeiro nacional e a economia popular

2. Objetivo Geral

Contribuir para a discussão e debate das temáticas com a produção de relatório final para esclarecimento dos delegados e participantes da AND.

3. Objetivo Específico na AND

Tirar uma posição fundamentada e justificada do pensamento do conjunto dos servidores do Bacen a respeito das temáticas propostas, através de votação em plenária da(s) proposta(s) oriundas do grupo de trabalho na AND, com produção de relatório final.

4. Metodologia

Será formado um blog de discussão. Nele estará disponível material básico para nivelamento das informações sobre as temáticas desenvolvidas, acumuladas pelo Sinal, nos últimos períodos.

Para o tema “Questões econômicas e defesa do Estado”, teremos textos produzidos pelo professor Nilson Araújo de Souza sobre as causas da crise americana e as pressões inflacionárias no Brasil. Serão bem-vindos contrapontos a essas visões.

Para o tema “Defesa do Estado - Prevenção e combate à lavagem de dinheiro/ilícitos e crimes contra o sistema financeiro nacional e a economia popular”, serão inicialmente colocado material oriundo da revista Por Sinal. Maiores instruções abaixo.


Questões Econômicas e Defesa do Estado

A função precípua do Estado é reprimir os interesses de uma parcela da população e favorecer os interesses da outra. Democracia para uns e ditadura sobre os outros. Para isso desenvolve instrumentos que atendam ambas as facetas da sua atuação, servindo-se de um ordenamento jurídico apropriado e executando políticas públicas.

As relações essenciais entre os seres humanos são econômicas. Logo, é da regulação destas relações e da forma de distribuir os seus resultados que se ocupa fundamentalmente o Estado.
O Estado democrático de direito que dirige a coisa pública no Brasil de hoje está formalmente constituído para garantir um equilíbrio entre os interesses da propriedade e do trabalho. No entanto, as composições parlamentares e os governos executivos que são escolhidos em cada momento sempre exercem o poder que lhes é conferido para favorecer um em detrimento do outro.

O presente quadro é de avanço dos direitos do trabalho sobre o do capital, com o crescimento da economia em todos os seus ramos, melhoria dos salários e das aposentadorias, sucessivos recordes de carteiras assinadas e preservação de direitos antes atacados com mais força.

O Estado tem reforçado sua posição enquanto prestador de serviços que a todos beneficia através da manutenção do papel do setor público na economia e da ampliação do seu quadro de servidores acompanhado do aumento das respectivas remunerações.

No entanto, essa linha de pensamento não é unitária na sociedade nem no Estado e seu governo.

Existem setores que entendem ser possível, e mesmo desejável, o desenvolvimento na dependência. Essas forças políticas transferiram parte considerável do patrimônio público para mãos privadas, em geral estrangeiras, com o uso inclusive do patrimônio dos seus servidores para tal fim, e trabalharam no sentido de reduzir o tamanho do Estado ao mínimo necessário para reprimir os interesses prejudicados.

Dentro desse quadro se insere o Banco Central, com sua obrigação de garantir a solidez do sistema financeiro e a estabilidade dos preços. Como exposto acima, a execução dessas responsabilidades pode atender a um interesse social ou a interesses privados.

As questões que a AND deve responder

1. Na discussão sobre as questões econômicas, há razoável consenso entre os agentes econômicos de que o Brasil precisa crescer de forma sustentada. Para tal fim dois pensamentos se defrontam: monetaristas (estabilidade do sistema econômico obtida com o uso de instrumentos monetários, em especial para repressão da demanda) e desenvolvimentistas (estabilidade do sistema econômico obtida pelo incremento da oferta, com forte papel do Estado como indutor do desenvolvimento).

2. Ameaçam o crescimento experimentado nos anos recentes fatores externos e internos.

3. A crise anunciada da bolha especulativa imobiliária dos EEUU faz-se sentir fortemente nos dias atuais. Montada sobre derivativos e oferta de dinheiro fácil, pouca correspondência se verifica entre os ativos reais e os papéis neles lastreados. Uma crise que já levou à lona dois dos seis maiores bancos de investimento americanos e outro deles a ser engolido pelo Bank of América, sem contar perdas consideráveis mundo afora.

4. O Brasil encontra-se mais preparado para suportar os impactos da crise do que em episódios anteriores. No entanto, algumas vulnerabilidades merecem atenção.

5. As reservas internacionais do Brasil encontram-se depositadas em bancos estrangeiros sujeitos aos efeitos dessa crise. Defende-las é papel do Banco como seu compromisso na defesa do Estado.

6. Outros efeitos submetem o Brasil à instabilidade. O que se perde lá fora se busca recuperar aqui dentro, aumentando a pressão na disputa pelos recursos públicos nacionais. Por vezes, os saldos locais são simplesmente realizados para o pagamento de rombos lá fora.

7. O Brasil apresenta possibilidades imensas de crescimento. Crédito em expansão, para consumo e investimento produtivo, gente para trabalhar, energia e infra-estrutura com oferta crescente. Coloca-se a questão de como sustentar o ritmo sem deteriorar a estabilidade de preços que se conquistou.

8. O Banco Central do Brasil trabalha com o sistema de metas de inflação, privilegiando os instrumentos monetários para a manutenção da estabilidade da economia. Ao passo que a demanda é reprimida, os preços seriam forçados para baixo. São instrumentos que, quando utilizados, cevam os rentistas ao mesmo tempo em que reprimem os produtores. Os críticos dessa vertente apontam as práticas de monopólio como responsáveis pela elevação de preços quando a oferta cai, de modo a obter o mesmo lucro com uma quantidade menor de produtos vendidos. Além disso, a taxa de juros praticada serve como referência mínima para retorno da atividade produtiva, uma vez que os recursos estão disponíveis para não produzir.

9. O crescimento mínimo anual, ainda que não formalmente, foi definido á época da última eleição presidencial em 5%. Usando dos instrumentos que a lei lhe confere e a criatividade e esforço dos seus especialistas, o Banco Central pode e deve colaborar para o cumprimento dessa meta sem descuidar da sua obrigação com a estabilidade dos preços.


Defesa do Estado – Prevenção e combate à lavagem de dinheiro/ilícitos e crimes contra o sistema financeiro nacional e a economia popular

Entre as funções de Estado existem algumas que estão bem definidas, e razoavelmente estruturadas, pelo menos em uma mesma esfera de poder, e outras, ainda que na mesma esfera, não. Não estão bem definidas e/ou estruturadas principalmente por falta de vontade política e pouca visão patriótica dos governantes do momento, e/ou por falta, ou em alguns casos excesso, de ordenamento jurídico e arcabouço legal, ou ainda, em decorrência do desconhecimento ou da incompreensão da sociedade da importância daquelas funções para o desenvolvimento de um país. Provavelmente tudo isso e algo mais.

Exemplos de funções do nosso Banco Central, razoavelmente compreendidas pela sociedade brasileira como um todo, são as que estão explicitadas na missão oficial “Assegurar a estabilidade do poder de compra da moeda e um sistema financeiro sólido e eficiente”. Política Monetária e Supervisão são assuntos que estão sendo, e serão exaustivamente discutidos nos próximos anos, em decorrência da crise sistêmica atual, acredito que de uma forma mais consciente, por cidadãos de todo o planeta, sem distinções.

O conceito de sistema financeiro eficiente é muito vasto e abarca questões que vão do nível do “spread bancário” ao cumprimento de normas e leis. Do cumprimento de leis advém o tema de nosso grupo, que pretendemos explorar como visão de algumas atribuições, cujo reconhecimento e as opiniões a respeito são díspares, se considerarmos os universos do Sinal, do Banco Central, e da sociedade, em suas diversas formas de organização. Não pretendemos explorar todas e assim estamos indicando, prevenção à lavagem de dinheiro, combate a crimes financeiros, cooperação com outros órgãos de Estado, notadamente em atividades de inteligência e repressão à corrupção e ao crime organizado.

Nossa linha de trabalho prevê, concomitantemente à divulgação deste texto, divulgação de textos relacionados para leitura prévia. No nosso caso serão utilizados todos os textos publicados na revista Por Sinal (ainda falta verificar a de número 6). Espero receber “fed-backs” do dia 24 a 26, quando pretendo colocar outros textos de referência. Do dia 27 até 6/10 espero participação com outros textos e opiniões. Gostaria de lembrar que a presença na AND, seja como delegado ou observador, é importante para que o trabalho que o grupo apresentar à plenária tenha consistência e efetividade.
Por fim, consideramos que uma das maneiras do Sinal se voltar à sociedade é discutir e propor ações para que o Banco Central atenda as demandas da mesma organizada na forma de Estado.

As questões que a AND deve responder

As questões devem começar a surgir dia 24 próximo.