sexta-feira, 3 de outubro de 2008

É hora de o Banco Central agir

Artigo - Luiz Carlos Mendonça de Barros
Folha de S. Paulo - 3/10/2008

É preciso agir já, pois os novos problemas que aparecerão darão à crise atual contornos bem mais dramáticos

A CRISE financeira que tomou conta do mundo continua a piorar, quase sem controle. É incrível a contaminação em praticamente todos os segmentos -mesmo os de menor risco- do mercado financeiro mundial. O pânico está fazendo com que o fluxo normal de recursos que circula entre instituições financeiras, empresas e investidores deixe de ocorrer. Vivemos com intensidade o que Keynes chamou de armadilha da liquidez em seus memoráveis textos econômicos. Esse verdadeiro calcanhar-de-aquiles do sistema capitalista foi o centro da crise econômica iniciada em 1929 e levou o mundo ao nazismo e à Segunda Guerra Mundial.

Mais de 70 anos depois da terrível revelação feita por Keynes, o mundo vive a mesma armadilha. O dinheiro em circulação deixa de seguir a racionalidade que muitos acreditam ser inerente às economias de mercado. Felizmente, o conhecimento dessa falha tectônica do sistema hoje é maior do que no passado, e os BCs sabem como agir para enfrentar essa situação. Mas a lentidão com que muitos dirigentes reagem a esse acontecimento tão raro está nitidamente presente e pesa na solução do problema. A melhor expressão que conheço para caracterizar esse estado de inércia catatônico é a expressão inglesa "too little too late".

Agora mesmo, quando escrevo esta coluna, temos um belo exemplo desse comportamento. O BCE manteve inalterada a taxa de juros no espaço econômico europeu, apesar de uma dinâmica inflacionária totalmente nova. Seu presidente deu poucos e tímidos sinais de estar pronto para uma mudança na condução da política monetária. Mas os sinais recessivos emitidos pelas economias européias são tão claros que o mercado passou por cima do francês travestido de falcão alemão e opera como se a redução dos juros já tivesse ocorrido.

No Brasil, temo que essa mesma reação catatônica diante de um mundo que mergulha em uma terrível crise tenha tomado conta do Banco Central. Talvez influenciado pelas palavras recentes do presidente Lula -"esse é um problema do Bush, não meu"-, mostra indiferença para com a crise de liquidez que tomou conta da economia. Venho alertando sobre isso nas últimas três semanas e volto a fazê-lo hoje.

Está passando da hora de reagir, e as conseqüências dessa inação já estão presentes na nossa economia. Qualquer observador minimamente ligado aos acontecimentos recentes no mundo sabe que a crise chegou entre nós de maneira muito forte.

Por enquanto, os instrumentos que o BC tem à sua disposição são suficientes para gerir esse choque de liquidez. Não é preciso nenhum pacote nem posições heróicas das instituições federais de crédito. Bastam apenas algumas ações temporárias para permitir que o setor privado e os consumidores ajustem suas posições para uma nova realidade. As mais importantes são a redução do compulsório bancário, a criação de linhas de curto prazo para financiar os exportadores brasileiros com os dólares da reserva (sem vendê-los para tentar influenciar a taxa de câmbio, por ora). Além disso, a elevação da inflação neste período de crise, na medida em que derive puramente da desvalorização do real, deve ser acomodada na banda do sistema de metas. Isso significa considerar seriamente a interrupção do ciclo de alta de juros, pois a economia já mostra sinais claros de desaceleração.

Mas isso precisa ser feito já, pois, do contrário, os novos problemas que vão certamente aparecer darão à crise atual contornos bem mais dramáticos.

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS, 65, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso).

2 comentários:

JoseMRBernardo disse...

Prezados Blogueiros,

A coisa mais normal do mundo são os banqueiros se aproveitarem das crises para ganhar dinheiro. É uma profissão muito parecida com a de agente funerário: prestam serviços a pessoas em seus momentos de maior fragilidade. Só que os agentes funerários não se aproveitam disso para obter lucros extorsivos. Ao contrário dos banqueiros, são estimados pela população.
O Banco Central tem agido constantemente e, por isso, nossa economia não tem sido muito afetada pela crise. Utilizar reservas para conceder ACC/ACE é uma das maiores barbaridades que se pode imaginar. Isso já foi feito no passado e gerou fortunas para banqueiros que repassavam o crédito a custo de mercado.
Além do mais, ACC/ACE são financiamentos em Reais. Não é necessário moeda estrangeira para concedê-los. Se o Governo quer ajudar exportadores que use as linhas de crédito do BNDES ou do Banco do Brasil.
Essa pressão sobre o Banco Central é ilegítima e mal intencionada.
Abraços
José Manoel

Anônimo disse...

Política Monetária: Redução da taxa de juros JÁ!!

Gostaria de reforçar a importância da política monetária do BC para o bem-estar da sociedade. Em realidade, o BC detém um dos instrumentos mais poderosos para reduzir a desigualdade social no país mas faz mau uso dele. É necessária uma política de redução da taxa de juros, pois isso acarretará o estímulo ao investimento, por parte das empresas, e ao consumo por parte das famílias, dando início a um ciclo virtuoso na economia. Ao contrário, o BC do Brasil institui uma das maiores taxas de juros do mundo, sob pretexto de ter que conter a inflação, quando todos sabemos que a inflação foi um problema específico dos anos 80 em toda América Latina, fruto da mudança do perfil da dívida externa dos países latino-americanos , para cobrir os custos exorbitantes da era da "Guerra nas Estrelas", promovida por Reagan. Interessante notar que ontem (08/10/2008), por exemplo, o Banco Central Europeu, o FED e o Banco Central da China se uniram para combater a crise e todos juntos reduziram a taxa de juros. Nós, ao contrário, aproveitamos a mesma crise para aumentar a taxa de juros. É uma vergonha muito grande, e esse comprometimento por parte do governo e do Banco Central com os grandes especuladores acarreta um custo social elevadíssimo, para não dizer insuportável, gerando miséria e violência, enfim diria até guerra civil em determinados lugares do país - Rio de Janeiro - e não poderia ser diferente. Cabe a nós, sindicato dos funcionários do Banco Central, termos uma atitude pró-ativa em relação à necessidade da redução da taxa de juros, e repudiarmos e denunciarmos veementemente tal política monetária perpetualista da desigualdade social. Lutemos por um Brasil melhor para nossos filhos. Viva o trabalho, e não a especulação!